terça-feira, 24 de novembro de 2009

TULIPAS VERMELHAS VISITAM MEUS SONHOS

TULIPAS VERMELHAS VISITAM MEUS SONHOS

Acordei. Amanheceu e amanheci. É uma obrigação do Sistema. Pode ser que meu dia será como o dia anterior. Devaneios de um homem inserido no capitalismo e engolido pela cidade de pedra, em que há corações de pedra. Antes de ver os clarões do dia, apareceu uma moldura expressiva , como surgisse dos escombros inimagináveis e invioláveis, o encontro com minha avó, uma imagem linda, estávamos cercados por tulipas vermelhas, lindas, porém enormes. Como fiquei feliz ao vê-la e saber que compartilhava de uma alegria, não sabia qual, e envolvidos por flores que ela ama.
Contudo, o dia persiste em continuar e o tempo com seus pêndulos navalhados e as Moiras rindo do meu estúpido momento de elegia. Querem consumir-me, com suas tramas e destinos. Senhoras fiandeiras que conhecem cronologicamente os mortais, riem, desgraçadamente, riem.
Automaticamente, como somos seres programados para morrer, nada mais! Peguei o controle da tela mágica à minha frente, com suas imagens surreias, apertei o botão. Hoje apertamos botões, simplesmente botões e estamos envoltos de poderes virtuais, poderes dos deuses. Criamos botões para aproximar dos deuses. Como necessitamos ser onipresentes, onipotentes. Conseguimos. A Caixa de Pandora contemporânea(os meios de comunicação), principalmente a Internet, nela não há a esperança. O que restou ao Homem foi sua capacidade de humanização, de discernimento, de coexistência, de tolerância, de compartilhamento, no entanto, não encontramos ainda a salvação.Não foi encontrado in hominis pacem aos homens.
Ao ouvir os noticiários, depois de um sono REM, em saber que este sonho guardou meu sono, veio ao meu encontro imagens e vozes que diziam: ”Pais preocupados, professores assustados”, continuei na minha posição querendo acordar para o mundo e querendo fugir do mundo. As visões mostradas eram de crianças de 12, 13 e 14 anos violentando freneticamente, um vandalismo descontrolado, salas de aula. Não eram jovens de 17, 18, 19 e 20 anos, eram crianças.
Deixe-me compreender a situação, crianças em escolas públicas descontroladamente destroem patrimônio. Imagens que impressionam, carteiras e a mesa do professor sendo destruídas, tudo isso uma catarse, pedidos de socorro, puramente para descarregar palavras de desespero , desafeto e terminais, como: “enxerguem-me”, “eu existo”, “preciso de amor”, “preciso de autoestima”, “preciso de heteroestima”, “preciso de abraços”, preciso de orientação”, preciso de apoio”, preciso do seu tempo”, “ preciso de um norte”, preciso de limites”, “preciso de conforto”, “preciso de que acreditem em mim”.
Pais, por que ter filhos? Um ser humano a mais neste planeta que está em erupção há anos. Para tê-los é uma eterna participação. É um eterno educar. São vários fatores que levam a essa desordem na cabeça destes garotos.
Formação. Fala-se tanto. Discute-se tanto. Livros e livros que educadores, psicólogos lançam à mancheia. Em quem acreditar? Em quem confiar? Pais preocupados. Será? Quem eles querem formar? Quem eles querem para enfrentar este mundo? Que bicho eles pretendem formar? Que ser eles pretendem educar? Que ser eles pretendem ensinar a amar? Eles , os pais, sabem amar? Sabem ser humanos?Sabem dar limites aos seus filhos? Sabem que o mundo que os filhos estão inseridos é pernicioso, em que tudo se tornou banal? Sabem que a educação(amor, amor, amor e amor) é a salvação do Homem e dos seus filhos? Entretanto, nos livre dos pedagogismos e psicologismos oferecidos gratuitamente a pais acomodados e desorientados e permissivos. Contraditórios em seus ensinamentos, pregações e poder fracassado de figuras de pai e mãe. Um exemplo interessante, os pais vão à igreja aos domingos, levam seus filhos. Momento de comunhão. Estar com Deus. Redimir dos pecados cometidos ao longo da semana. Erguem suas mãos e suas cabeças aos céus e oram, rezam. Ao término do culto, saem limpos, aliviados. Entram no carro com seus filhos e na primeira parada diante do semáfaro vermelho, não para, o ultrapassa ou discute com o colega de trânsito e em dedo riste, se direciona ao outro(carro ou moto, ciclista ou pedestre). Quais os exemplos que os filhos estão tendo? Com tudo isso, tem o paradoxo, saída de um culto religioso, em que as pregações os levam ao sobrenatural e cometem posteriormente atos obscenos(o dedo e a fala).
Percebemos as freqüentes e constantes confusões que os pais transmitem a seus filhos. Ao se sentirem acuados pela grande e eterna responsabilidade que é educar, a relação pais/filhos e filhos/pais, começam a direcionar responsabilidades e obrigações às escolas.
Pais, acordem para a desgraça causada pelos senhores. Vários fatores certamente influem na educação, mas o alicerce e o berço são construídos unicamente pelos pais. E isso nada deve intervir e influenciar, as mãos e vozes devem ser o comando para uma educação pautada no amor. Não confundam amor de pai, amor de mãe com amizade de pai e amizade de mãe. Primeiramente, devem ser pais. Logo, mas bem distante, amigos. Os filhos devem encontrar referenciais. Referências de um pai e de uma mãe. Nada mais. Eles estão em construção, redefinem conceitos, quebram outros e nesse momento as figuras essenciais não são os amigos e sim os pais.
Os pais confundem e permitem tudo, simplesmente para distanciarem da simbólica arte em ser pai e em ser mãe.
Os jovens nascidos na década de 90 do século passado, filhos de pais nascidos na década de 70, participam de uma geração tecnológica, da quarta revolução industrial. Nasceram em um país redomocratizado , mundo globalizado/capitalista/consumista/individualista.
Quais direções que daremos aos filhos paridos dentro deste status quo? Vários paradigmas foram edificados e outros tantos desmoronados. Ideias foram reconstruídas, porém os filhos foram deixados de lado, jogados sem amparos às tocas de lobos famintos, sem conhecer os limites. Os males foram estigmatizados, a banalização do homem bom passou a fazer parte da sociedade de consumo e do espetáculo. Tudo pode e tudo é permitido, mesmo que a agressão e a morte dominem o ser humano. O horror anunciado em uma rua qualquer. Exemplos de integridade, respeito, amor, ética, cidadania não são freqüentes no dia a dia da sociedade. Os próprios pais fazendo parte deste horror.
“Crescei e multiplicai”. Não façam isso. Simplesmente cresçam com humanidade, nada mais.
Os pais têm que criarem seus filhos para serem lançados à vida e para que isso aconteça é preciso que eles também tenham sido criados por pais equilibrados que sabiam transmitir amor, educação, limite, valores(sociais, pessoais, familiares, religiosos,etc), moral(sem hipocrisia),uma moral sem alienação, princípios(éticos, cidadãos). Para educar os filhos, eduquem, primeiramente, os pais.
Enquanto isso, tulipas vermelhas persistem florescer em meus sonhos.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

TEM QUE SER ORIGINAL?

À busca pela originalidade.

Estou com receio em escrever. Será que estou infectado pelo vírus que vem assolando partes consideráveis e ditas ilustres da música, da literatura e ciência brasileiras?
Se buscarmos Aristóteles, quando ele se refere a Mimese, em sua suma Poética, entenderemos que vertical e horizontalmente em sua dialética nada condiz com as transformações pregadas e usadas nos textos atuais. O texto, evidentemente, como a história, se transforma, acompanhando as mudanças/paradigmas do homem. A tecitura, a textualidade, o textual, o contexto, o pré-texto, intertexto, nada mais são do que pretextos soberbos da linguagem/comunicação.
A Mimese aristotélica não representa uma mera imitatio por imitatio, tal qual Platão entendia. Para o discípulo de Platão, reproduzir o Real, tem que superar o Real, modificá-lo. Uma recriação. Daí o texto criado passa a ser original.
Fazemos uso descontroladamente das idéias alheias, de uma forma abusiva. Os argumentos alheios devem ser somente empréstimos. Nada mais do que empréstimos. Sempre nos remetemos, voltamos e desavergonhadamente chafurdamos nas tecituras dos escribas olimpos, que conseguiram sem “pirataria” criar textos limpos e transparentes, idéias-nascentes, idéias criadas sem a interferência sumária do outrem.
Herdamos idéias. Somos herdeiros de uma visão de mundo micro e macro deixada e conceituada dentro de um contexto vivido pelo homem. Se questionarmos à Socrates, começamos a entender que a solidez do pensamento se liquifaz, quando apropriamos do pensamento alheio sem pedir licença, sem critérios, sem moralidade, sem pensamento próprio. Diante disso, fazemos torpemente uma criação à Frankestein.
Com a chegada da era digital, o homo-cogito de antanho se encontrou em uma letargia pensante. A imitação, ditada pelo criador da Poética, se desvanece, entrou em decadência no apogeu da tecnologia. Passamos a invadir as linhas de pensamento, os códices nascentes de cérebros límpidos para criar textos manetas, com idéias deficientes e recheadas de lugares-comuns. As perguntas não são voltadas a se teremos um outro Nietszche, um outro Freud, um outro Darwin, um outro Heidegger, um outro Lévi-Strauss, um outro Beethowen, um outro Mozart, uma Frida Kahlo, uma Chavela Vargas, um Matisse, Um Van Gogh, um Renoir, um Kandinsky, um Chopin, um Bach, um Proust, um Machado de Assis, um Euclides da Cunha, um Habermas, um Santo Agostinho, um Lacan, um Deleuze, um Bodin, um James Joice, um Shakespeare, um Eric Hobsbawn, um Newton, um Pasteur, um Stephen Hawking, um Francis Crick, um James Watson, um Maurice Vilkins, um Albert Einstein um Galileu Galilei enfim, são vários que criaram, construíram pensamentos, conceitos, formas, harmonias, subjetividades, lógicas, métodos, estruturalismos, empirismos, fenomenologias, etc., afirmativamente, não teremos. Onde estão as mentes criadoras? Aquelas que podem fazer uso do pensamento alheio para criar o Real, criar o seu pensamento de acordo com o contexto em que vive?
Depois de Machado de Assis, em terras tropicais, em que o sabiá canta em folhas de palmeiras, o que aparecem na literatura? Sutilidades, Machado fez uso, também, da literatura européia, para criar seus personagens e situações ímpares. Ah, temos Graciliano Ramos, Cabral de Melo Neto. Somente? Paramos?
Comicidade, quando procuramos em terras tupinambás criadores e criaturas literárias. Onde estarão? Ah, achei outro, Guimarães Rosa. Com sua sagacidade de invenções, um Quixote mineiro, embrenhado nos sertões e entre buritis, com suas anotações em cima de um pangaré. Encontramos outro ou outros ou encontraremos?
A literatura hoje é politicamente correta. Há ousadias, somente. Contudo, não há uma literatura pura. Pode-se dizer genuína? Simplesmente, nada de novo. Nada original.
Estamos carentes de letras e vozes. A música brasileira, um emaranhado de sons, estridências, repetições e vulgaridades. Os cantores hoje buscam cancões, nenhum pouco saudosos, de outros cantores que deixaram suas marcas dentro da originalidade/criação. Quando o rádio ou a televisão é ligado a irritação é permanente, as composições que ditam a mesmice, os lugares-comuns, as vozes, caras e bocas das cantoras são parecidas. Há uma safra de cantoras, com suas vozes roucas-parecidas. Deixe eu buscar Adorno, para tentar entender a indústria cultural. Tragicamente, a música brasileira ainda não merece aplausos. Raríssimas as vozes limpas, transparentes. Não vejo criações. Somente à busca pelas letras de cantores que foram. Não criam, copiam e soltam suas vozes, acreditando que as ondas sonoras são pórticos dos nossos ouvidos e cérebros.
O “conclave” tedencioso quando se reúnem e premiam entidades da música e da literatura brasileiras, ao anunciarem os ganhadores, esperamos que uma safra nova virá, um engano! A repetitividade das vozes, composições e acordes nos deixam enfadonhos. Os textos que deveriam ultrapassar as gráficas, transcenderem, ficam presos em livrarias, somente!
Diante dos meus devaneios, poderia parar, colocar um ponto final neste texto, contudo o sangue que jorra internamente em mim, envolvendo e consumindo compulsivamente minhas artérias, bombeando as válvulas do meu coração e direcionando-se ao cérebro, diz que preciso continuar.
Lembrei-me de uma frase de extraordinária atriz do teatro, Esther Goes, intérprete louvada dos textos de Bertolt Brecht, que dizia: “Com que força as pessoas dão ao seu tempo?” , para expressar meu desalento e compaixão que esta nova geração está inserida. O que ela entende de cultura, como ela vive a cultura, como se envolve, aprecia, cria, desconstrói, reconstrói. Fico, às vezes, sem ação. Paradigmas têm que ser desfeitos, renovados, criados, porém eles passam por uma ruptura sem reflexão, sem sistematização.
Mundo fragmentado. Homens fragmentados. No amor e no sexo. Proporções assustadoras de seres viventes que estão desestruturados, sem caminhos, sem setas, sem direções. Perdidos neste paraíso palpável e real criado por ele.
Não mais sabemos amar, não mais sabemos aproximar do outro, não mais sabemos beijar, não mais sabemos abraçar, não mais sabemos olhar nos olhos, não mais sabemos tocar o outro, não mais sabemos sentir emoções, não mais sabemos nos sensibilizar, não mais sabemos acreditar, não mais sabemos confiar, não mais sabemos nos relacionar, não mais sabemos educar, não mais sabemos nos civilizar.
Ingenuamente, a nova geração, a da quarta revolução industrial, a tecnológica(nanotecnologia, robótica e quântica), acredita que o homem não precisa do homem, ontologicamente em desintegração. Tudo ao mesmo tempo. O homem deseja ser também onipresente. Virtualmente, ele é. Sempre está “online” em todos os cantos possíveis e impossíveis, dentro de uma rede de relações passageiras.
Ser fragmentado, seu tempo, o chamado “full time” é paradoxalmente incompleto, sempre incompleto, nunca satisfeito. Diante disso, seus conhecimentos são incompletos e fragmentados, sem rumo, sem organização de idéias. Não necessita refletir, induzir, deduzir. Conduz seu destino, dialeticamente, sem conhecer seu passado, sem questionar sua história, seu ser, seu mundo, seu planeta, seu ambiente. Fora de uma visão sistêmica.
Os pêndulos de um relógio acompanham o homem pós-moderno, mesmo em uma noite de lua cheia, mesmo em uma tarde de primavera onde há flores lilases de Walt Whitman, pois ele não percebe e não sente o frescor do vento tocando seu rosto, seu corpo, apreciando prazerosamente a vida, sem o rancor e o ronco do tempo pedindo sua desgraçada carne para produzir e consumir.
Mediante a isso, a nova geração liquefaz sua vida, em um simples manual de bolso, tudo se resolve. Com isso a cultura que ela devia estar inserida, passa incólume. Não sabem apreciar uma ópera, não lêem bons livros, não lêem nada, melhor!, não se deleitam com uma música que eleva a alma. Sabem que o filme tem que ser aquele que não os fazem pensar, letargia pensante! Artificialidades, nada mais! Tudo é momentâneo e instantâneo. A cultura tem que acompanhar esta instantaneadade. Porém qual o limite disso? Até que ponto a cultura tem que subjugar ao jogo da anticultura, ao jogo da educação decadente, ao jogo dos pais imparciais, ao jogo da educação sem qualidade, ao jogo de homens incompletos e fragmentados?
O resultado arrepiante deste modelo sendo criado à exaustão, confirma a não originalidade, os supérfluos textos e vozes que nascem nas terras tupiniquins. Mostra ainda que a criação, a originalidade, seres pensantes, transformadores de um mundo melhor estão distantes para criar um homem que se incomode com o sistema e com o planeta.