terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Os ombros suportam o mundo?


Inicio este artigo com uma frase de Vergílio Ferreira, um escritor português, o considero existencialista, enfim , um escritor considerável, que diz o seguinte "Há dentro de nós a exigência absoluta de sermos eternos e a certeza de o não sermos. O absurdo é a centelha do contato destes dois opostos." Acredito pertinente à entrada de 2010. O ser humano com suas exigências, em busca do elixir e do Graal da longevidade. A guerra de todos contra todos pelo absoluto, e é aí que o homem se perde, é nesta busca pela certeza que sua moral alienada se desfaz, com isso encontramos um homem perdido, um homem desintegrado,um homem em seu estado natural, um homem darwiniano, instintivo. Vergílio Ferreira em poucas palavras evidenciou este homem. Caso busque exemplos escritos ou imagens, principalmente imagens, ainda mais na era mas media, na era do visual, dos olhos assoberbados e confusos, dos olhos midiáticos, dos olhos refletores, contudo cegos, uma cegueira irreversível? encontraremos à exaustão.
Diante deste impasse, pensei, o que irei escrever? Como receber o ano novo? Por que novo? Cronologicamente, os desígnios do Homem são postos como uma ordem por ele mesmo. Entrar o ano novo 2010 é chegar à meia-noite e saber que sexta-feira chegou e o dia primeiro de janeiro de um outro ano entrou. Porém os significados, os emblemas, os rituais, os valores antropológicos, as crenças, as superstições, as simbologias, os conceitos dos ocidentais, dos orientais, dos árabes, dos islâmicos, dos nórdicos, mitos, enfim o homem construindo valores àquilo que não consegue encontrar resposta, mesmo afirmando que exista tal resposta, exista tal Graal.
Eu, como um mortal crente, hipotético e inconformado com a vida que o homem vem desenhando, vejo que a solução , há solução sim, é o homem voltar a sua sensibilidade de humano, procure mais tocar, abraçar, beijar, amar, confiar, tolerar, porém de uma forma genuína, sem luxúria, sem malícias. Busque enxergar os problemas e enfrentá-los, mesmo que isso acarrete dissabores e sofrimentos, o bem, não seja supremo, é a felicidade. Busque em 2010 a coragem, a força para dialogar com a vida. Busque em 2010 a tolerância, ser tolerante é ser humano, é saber que nada mais somos que humanos, todos diferentes, mas humanos. Busque a verdade, a lealdade, mesmo que para isso passe por situações-limite. Busque enxergar mais o céu azul, as estrelas, a noite, a lua, o vento rossando nossos corpos. Dê espaço ao tempo, à respiração.Busque em 2010 enxergar o outro com olhos de compaixão, perdão, desculpas. Busque em 2010 você. Busque em 2010 a valorizar o planeta Terra, a ensinar , a educar e aprender. Busque em 2010 ser amigo. Busque em 2010 a benevolência. Busque em 2010 a incomodação com as agruras da vida do outro. Incomode com o sofrimento, incomode com a desonestidade, incomode com a desumanidade, incomode com a corrupção, incomode com a falta de alimento para quem não tem o que comer. Incomode com a destruição do meio ambiente, incomode com o político, incomode com falta de qualidade no ensino, incomode com você, incomode com a vida. Incomode com o se... No momento que nos incomodamos, refletimos e quando refletimos , agimos. Nossa missão para 2010 é AÇÃO. Busco um poema para finalizar meu incômodo, é de Drummond, espero que gostem e REINICIAR É O CAMINHO, SEMPRE!


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.


Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.


Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Devaneios

No calor da tarde no meu corpo
observo aqueles que não me veem
ensimesmados.
Couraças que vestem e revestem
seus corpos e seus espíritos.
Sentado em uma livraria
lendo qualquer um.
Qualquer linha.
Qualquer mundo.
Qualquer espaço.
Qualquer eu.

Envolto pelos cheiros e aromas dos cafés
servidos e bebidos.
Bebida preta, envolvente.
Cafeinados pelas leituras.

Ah, me encontrei em um campo de lilases.
Leio Walt Witman. Sou paradoxal!
É a cafeína!

Canso de olhar figuras ao meu redor.
Várias máscaras.
Volto à leitura.
Olho para o teto que me cobre,
envolve meu pequeno corpo
com seus ângulos e geometrias
nada lineares,
impedem a minha saída
do mundo da leitura, caso eu queira sair.
Os seguranças, vários.
Sentimentos à Caronte.
Desconfiados, com seus olhares
conturbados, em várias direções.
Contorcionistas da livraria.
Vigias do templo dos imortais e dos semideuses.

Comprimido pela velocidade da tarde,
Walt Wiltman me deixa cansado.
Não quero questionar a vida,
a minha vida.
Quero simplesmente a leveza da tarde
em uma livraria, embriagado de café.
Rodeado pelo sobrenatural,
seus espíritos rondando cada compartimento,
cada vão...

Levanto!
Em que direção? Ao nada?
Encontro com a imortalidade.
Acordo Kafka, Dostoievski, Jorge Amado, Clarice Lispector, Joyce, Poe, Oswald de Andrade, Picasso, Dali, Manuel Bandeira...
Uma confusão em fusão.
Fico tonto.
Os meus olhos em direção a cada livro.
Acordo todos eles, do sono eterno.
Não sei em que dimensão do universo eles estavam.
São onipresentes, onipotentes.
Imortais!
Pode ser que neste exato momento
diverso os leem.
Diversos os xingam!
Diversos os vingam!
Diversos os menosprezam!
Diversos os queimam!
Diversos os abandonam!
Diversos choram...

Sei que lê-los
os acordarei do passado
quiçá mal resolvido.
Acordo o momento da escrita de cada um.
Das gotas de sangue jorradas ao escrever.
Acordo suas intimidades.
Acordo os seus sonos
suas brevidades,
seus êxtases,
seus dissabores,
seus devaneios,
suas decepçoes,
suas solidões,
seus ataques de vaidade.
suas luxúrias,
seus suícidios,
(...)

Acordo suas vãs liberdades.
Acordo as suas alteridades.
Os seus desejos de morte.

Estou ainda com Walt Wiltman.
Por que não o solto?
Sinto-o com sua fisionomia anglo-saxã
enfurnado em suas grossas barbas.
Sinto o cheiro do vômito de palavras
na minha carne.
Compulsivamente, também, entro em êxtase momentâneo.

Não consigo mais ver rostos
encouraçados e sem vozes espalhadas
não de pessoas comuns, mas de almas, de espíritos.
Vultos...
Almas inquietas, espectrais.
De escritores mal compreendidos,
egoístas, soberbos, doentes, esquizofrênicos, depressivos, vadios,
errantes, compulsivos, viciados, homossexuais.
Vários, vários.
Letras palpitam e pulsam como um órgão.
Prateleiras que mexem incessantemente.
Liberdade às almas condenadas ao pó,
às prateleiras,
ao abandono.
ao esquecimento,
ao vento,
ao espanador,
aos dedos e mãos dos arrumadores de estantes,
ao vazio,
ao espaço entre espaços, elipses, elipses do tempo,
às leituras aleatórias,
aos incrédulos,
às leituras salvadoras,
às leituras suicidas,
às leituras pecadoras,
às passadas de páginas com dedos encardidos,
às possíveis páginas amarelas, abandonadas às traças.
Aos depósitos amontoados de cérebros,
desordenadamentes, para o esquecimento.

Ouço gritos distantes
distoantes.
Ninguém ouve.
Várias línguas, uma babel.
Penetrantes, assustadoras, nos interstícios da livraria,
nas frestas, entre livros.

Consegui deixar Walt Wiltman.
Direciono meu olhar a um espectro na prateleira.
Não consigo identificar o nome e nem o rosto e nem o título.
Obliquamente, meus olhos procuram o infinito em cada livro,
em cada página, em cada movimento inconsolável
de todos que ali estão.
Buscam a salvação ou a perdição?
Eu busco o quê?

Conturbado e ébrio de café,
encaro outro espectro.
Tem os olhos miúdos, inconfundível!
Óculos voltados ao espelho da alma do ser humano.
Barbas e bigodes marcam a vida e a morte.
Comportamentos humanos, nada mais!
Lá estava ele, dissimulado.
Olhar de ressaca, fixado em cada um,
em mim, como eu a ele.
Só que havia vários dele, enfileirados, clonados.
Fiquei confuso, qual seria ele?
Queria dizer-me algo?
Não sabia, entrei em transe.

Apareceram vários espectros em minha direção.
Vinham como saindo de seus túmulos.
Descontrolado, peguei um que vi à minha frente,
um sociólogo polonês, Zigmum Bulman.
Vivo!
Liquidamente, vivo!
Começo a folheá-lo, ininterruptamente.
Leio-o sedento.
Sua ideia do absurdo do homem,
da liquedez da vida,
do amor líquido,
do Homem - líquido,
me senti desconfortável,
a irreversibilidade do homo sapies sapiens.
Devolvi-o como numa catarse à prateleira.

Olhares absortos continuam a fustigar a livraria.
Muitos entram neste labirinto de palavras,
de letras,
de signos,
de símbolos,
de vozes,
de almas condenadas,
de almas nas encruzilhadas
de almas puras, raríssimas.
De corpos, corpos,
sem saber o que procuram.
Talvez, querem companhia!
talvez, querem a solidão!
Talvez, não!
Ou nunca iremos saber.

Eu rupturo fronteiras.
Aproximo daqueles que desejo.
Quero o sentir o hálito de diversos,
ler seus segredos e degredos.
Chegar ao desconhecido,
ultrapassar mares e continentes.
Um home do universo
que chora, sofre, ama, condena, sangra!
Vulcânico!
Totalmente paradoxal!
Humano!

Quero ler, somente!
Desfiguradamente, fantasmas entrelaçam a livraria.
Querem ser lidos.
Vieram até mim Jorge Luis Borges e Neruda.
Alef, porto.
Alef, porto.
Odes, odes, odes.
Saramago, Drummond e Virgínia Woof.
Lilith/Caim/Jesus/morte
amor/pedras/infância
suicídio/súicídio/gêneros

Arrebenta,alma minha!
sangra, sangra!
Não consigo controlar-me.
Tremo, suo.
Agora é Balzac, Dante, Freud, Marx, Homero
em um novelo sem fim, sem pontas
Carrol, Nietszche, Hegel, o florentino Maquiavel, etc, etc, etc
um emaranhado de confusões,de vozes, de rostos, de cérebros,
de palavras, de textos, escritas, letras, páginas...
Flutuo em um bailado desconexo de letras
absintas e opiárias baudelairianas
em um réquiem incessante.
Espectros, almas, me soltem.
Quero a liberdade sartreana!
Preciso exorcizar-me
Preciso encontrar-me
nos altares das letras
no olimpo dos imortais
no pó,
nos nós,
nas divisas,
nas linhas,
na carne,
na vida,
na morte
(...)
Volto a ler Walt Wiltman!
Meus devaneios...