quinta-feira, 19 de novembro de 2009

TEM QUE SER ORIGINAL?

À busca pela originalidade.

Estou com receio em escrever. Será que estou infectado pelo vírus que vem assolando partes consideráveis e ditas ilustres da música, da literatura e ciência brasileiras?
Se buscarmos Aristóteles, quando ele se refere a Mimese, em sua suma Poética, entenderemos que vertical e horizontalmente em sua dialética nada condiz com as transformações pregadas e usadas nos textos atuais. O texto, evidentemente, como a história, se transforma, acompanhando as mudanças/paradigmas do homem. A tecitura, a textualidade, o textual, o contexto, o pré-texto, intertexto, nada mais são do que pretextos soberbos da linguagem/comunicação.
A Mimese aristotélica não representa uma mera imitatio por imitatio, tal qual Platão entendia. Para o discípulo de Platão, reproduzir o Real, tem que superar o Real, modificá-lo. Uma recriação. Daí o texto criado passa a ser original.
Fazemos uso descontroladamente das idéias alheias, de uma forma abusiva. Os argumentos alheios devem ser somente empréstimos. Nada mais do que empréstimos. Sempre nos remetemos, voltamos e desavergonhadamente chafurdamos nas tecituras dos escribas olimpos, que conseguiram sem “pirataria” criar textos limpos e transparentes, idéias-nascentes, idéias criadas sem a interferência sumária do outrem.
Herdamos idéias. Somos herdeiros de uma visão de mundo micro e macro deixada e conceituada dentro de um contexto vivido pelo homem. Se questionarmos à Socrates, começamos a entender que a solidez do pensamento se liquifaz, quando apropriamos do pensamento alheio sem pedir licença, sem critérios, sem moralidade, sem pensamento próprio. Diante disso, fazemos torpemente uma criação à Frankestein.
Com a chegada da era digital, o homo-cogito de antanho se encontrou em uma letargia pensante. A imitação, ditada pelo criador da Poética, se desvanece, entrou em decadência no apogeu da tecnologia. Passamos a invadir as linhas de pensamento, os códices nascentes de cérebros límpidos para criar textos manetas, com idéias deficientes e recheadas de lugares-comuns. As perguntas não são voltadas a se teremos um outro Nietszche, um outro Freud, um outro Darwin, um outro Heidegger, um outro Lévi-Strauss, um outro Beethowen, um outro Mozart, uma Frida Kahlo, uma Chavela Vargas, um Matisse, Um Van Gogh, um Renoir, um Kandinsky, um Chopin, um Bach, um Proust, um Machado de Assis, um Euclides da Cunha, um Habermas, um Santo Agostinho, um Lacan, um Deleuze, um Bodin, um James Joice, um Shakespeare, um Eric Hobsbawn, um Newton, um Pasteur, um Stephen Hawking, um Francis Crick, um James Watson, um Maurice Vilkins, um Albert Einstein um Galileu Galilei enfim, são vários que criaram, construíram pensamentos, conceitos, formas, harmonias, subjetividades, lógicas, métodos, estruturalismos, empirismos, fenomenologias, etc., afirmativamente, não teremos. Onde estão as mentes criadoras? Aquelas que podem fazer uso do pensamento alheio para criar o Real, criar o seu pensamento de acordo com o contexto em que vive?
Depois de Machado de Assis, em terras tropicais, em que o sabiá canta em folhas de palmeiras, o que aparecem na literatura? Sutilidades, Machado fez uso, também, da literatura européia, para criar seus personagens e situações ímpares. Ah, temos Graciliano Ramos, Cabral de Melo Neto. Somente? Paramos?
Comicidade, quando procuramos em terras tupinambás criadores e criaturas literárias. Onde estarão? Ah, achei outro, Guimarães Rosa. Com sua sagacidade de invenções, um Quixote mineiro, embrenhado nos sertões e entre buritis, com suas anotações em cima de um pangaré. Encontramos outro ou outros ou encontraremos?
A literatura hoje é politicamente correta. Há ousadias, somente. Contudo, não há uma literatura pura. Pode-se dizer genuína? Simplesmente, nada de novo. Nada original.
Estamos carentes de letras e vozes. A música brasileira, um emaranhado de sons, estridências, repetições e vulgaridades. Os cantores hoje buscam cancões, nenhum pouco saudosos, de outros cantores que deixaram suas marcas dentro da originalidade/criação. Quando o rádio ou a televisão é ligado a irritação é permanente, as composições que ditam a mesmice, os lugares-comuns, as vozes, caras e bocas das cantoras são parecidas. Há uma safra de cantoras, com suas vozes roucas-parecidas. Deixe eu buscar Adorno, para tentar entender a indústria cultural. Tragicamente, a música brasileira ainda não merece aplausos. Raríssimas as vozes limpas, transparentes. Não vejo criações. Somente à busca pelas letras de cantores que foram. Não criam, copiam e soltam suas vozes, acreditando que as ondas sonoras são pórticos dos nossos ouvidos e cérebros.
O “conclave” tedencioso quando se reúnem e premiam entidades da música e da literatura brasileiras, ao anunciarem os ganhadores, esperamos que uma safra nova virá, um engano! A repetitividade das vozes, composições e acordes nos deixam enfadonhos. Os textos que deveriam ultrapassar as gráficas, transcenderem, ficam presos em livrarias, somente!
Diante dos meus devaneios, poderia parar, colocar um ponto final neste texto, contudo o sangue que jorra internamente em mim, envolvendo e consumindo compulsivamente minhas artérias, bombeando as válvulas do meu coração e direcionando-se ao cérebro, diz que preciso continuar.
Lembrei-me de uma frase de extraordinária atriz do teatro, Esther Goes, intérprete louvada dos textos de Bertolt Brecht, que dizia: “Com que força as pessoas dão ao seu tempo?” , para expressar meu desalento e compaixão que esta nova geração está inserida. O que ela entende de cultura, como ela vive a cultura, como se envolve, aprecia, cria, desconstrói, reconstrói. Fico, às vezes, sem ação. Paradigmas têm que ser desfeitos, renovados, criados, porém eles passam por uma ruptura sem reflexão, sem sistematização.
Mundo fragmentado. Homens fragmentados. No amor e no sexo. Proporções assustadoras de seres viventes que estão desestruturados, sem caminhos, sem setas, sem direções. Perdidos neste paraíso palpável e real criado por ele.
Não mais sabemos amar, não mais sabemos aproximar do outro, não mais sabemos beijar, não mais sabemos abraçar, não mais sabemos olhar nos olhos, não mais sabemos tocar o outro, não mais sabemos sentir emoções, não mais sabemos nos sensibilizar, não mais sabemos acreditar, não mais sabemos confiar, não mais sabemos nos relacionar, não mais sabemos educar, não mais sabemos nos civilizar.
Ingenuamente, a nova geração, a da quarta revolução industrial, a tecnológica(nanotecnologia, robótica e quântica), acredita que o homem não precisa do homem, ontologicamente em desintegração. Tudo ao mesmo tempo. O homem deseja ser também onipresente. Virtualmente, ele é. Sempre está “online” em todos os cantos possíveis e impossíveis, dentro de uma rede de relações passageiras.
Ser fragmentado, seu tempo, o chamado “full time” é paradoxalmente incompleto, sempre incompleto, nunca satisfeito. Diante disso, seus conhecimentos são incompletos e fragmentados, sem rumo, sem organização de idéias. Não necessita refletir, induzir, deduzir. Conduz seu destino, dialeticamente, sem conhecer seu passado, sem questionar sua história, seu ser, seu mundo, seu planeta, seu ambiente. Fora de uma visão sistêmica.
Os pêndulos de um relógio acompanham o homem pós-moderno, mesmo em uma noite de lua cheia, mesmo em uma tarde de primavera onde há flores lilases de Walt Whitman, pois ele não percebe e não sente o frescor do vento tocando seu rosto, seu corpo, apreciando prazerosamente a vida, sem o rancor e o ronco do tempo pedindo sua desgraçada carne para produzir e consumir.
Mediante a isso, a nova geração liquefaz sua vida, em um simples manual de bolso, tudo se resolve. Com isso a cultura que ela devia estar inserida, passa incólume. Não sabem apreciar uma ópera, não lêem bons livros, não lêem nada, melhor!, não se deleitam com uma música que eleva a alma. Sabem que o filme tem que ser aquele que não os fazem pensar, letargia pensante! Artificialidades, nada mais! Tudo é momentâneo e instantâneo. A cultura tem que acompanhar esta instantaneadade. Porém qual o limite disso? Até que ponto a cultura tem que subjugar ao jogo da anticultura, ao jogo da educação decadente, ao jogo dos pais imparciais, ao jogo da educação sem qualidade, ao jogo de homens incompletos e fragmentados?
O resultado arrepiante deste modelo sendo criado à exaustão, confirma a não originalidade, os supérfluos textos e vozes que nascem nas terras tupiniquins. Mostra ainda que a criação, a originalidade, seres pensantes, transformadores de um mundo melhor estão distantes para criar um homem que se incomode com o sistema e com o planeta.



Um comentário:

  1. Ola Mauricio

    Concordo com voce, estamos fadadados a viver neste cubo sem novidades!
    um abraço

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