terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Devaneios

No calor da tarde no meu corpo
observo aqueles que não me veem
ensimesmados.
Couraças que vestem e revestem
seus corpos e seus espíritos.
Sentado em uma livraria
lendo qualquer um.
Qualquer linha.
Qualquer mundo.
Qualquer espaço.
Qualquer eu.

Envolto pelos cheiros e aromas dos cafés
servidos e bebidos.
Bebida preta, envolvente.
Cafeinados pelas leituras.

Ah, me encontrei em um campo de lilases.
Leio Walt Witman. Sou paradoxal!
É a cafeína!

Canso de olhar figuras ao meu redor.
Várias máscaras.
Volto à leitura.
Olho para o teto que me cobre,
envolve meu pequeno corpo
com seus ângulos e geometrias
nada lineares,
impedem a minha saída
do mundo da leitura, caso eu queira sair.
Os seguranças, vários.
Sentimentos à Caronte.
Desconfiados, com seus olhares
conturbados, em várias direções.
Contorcionistas da livraria.
Vigias do templo dos imortais e dos semideuses.

Comprimido pela velocidade da tarde,
Walt Wiltman me deixa cansado.
Não quero questionar a vida,
a minha vida.
Quero simplesmente a leveza da tarde
em uma livraria, embriagado de café.
Rodeado pelo sobrenatural,
seus espíritos rondando cada compartimento,
cada vão...

Levanto!
Em que direção? Ao nada?
Encontro com a imortalidade.
Acordo Kafka, Dostoievski, Jorge Amado, Clarice Lispector, Joyce, Poe, Oswald de Andrade, Picasso, Dali, Manuel Bandeira...
Uma confusão em fusão.
Fico tonto.
Os meus olhos em direção a cada livro.
Acordo todos eles, do sono eterno.
Não sei em que dimensão do universo eles estavam.
São onipresentes, onipotentes.
Imortais!
Pode ser que neste exato momento
diverso os leem.
Diversos os xingam!
Diversos os vingam!
Diversos os menosprezam!
Diversos os queimam!
Diversos os abandonam!
Diversos choram...

Sei que lê-los
os acordarei do passado
quiçá mal resolvido.
Acordo o momento da escrita de cada um.
Das gotas de sangue jorradas ao escrever.
Acordo suas intimidades.
Acordo os seus sonos
suas brevidades,
seus êxtases,
seus dissabores,
seus devaneios,
suas decepçoes,
suas solidões,
seus ataques de vaidade.
suas luxúrias,
seus suícidios,
(...)

Acordo suas vãs liberdades.
Acordo as suas alteridades.
Os seus desejos de morte.

Estou ainda com Walt Wiltman.
Por que não o solto?
Sinto-o com sua fisionomia anglo-saxã
enfurnado em suas grossas barbas.
Sinto o cheiro do vômito de palavras
na minha carne.
Compulsivamente, também, entro em êxtase momentâneo.

Não consigo mais ver rostos
encouraçados e sem vozes espalhadas
não de pessoas comuns, mas de almas, de espíritos.
Vultos...
Almas inquietas, espectrais.
De escritores mal compreendidos,
egoístas, soberbos, doentes, esquizofrênicos, depressivos, vadios,
errantes, compulsivos, viciados, homossexuais.
Vários, vários.
Letras palpitam e pulsam como um órgão.
Prateleiras que mexem incessantemente.
Liberdade às almas condenadas ao pó,
às prateleiras,
ao abandono.
ao esquecimento,
ao vento,
ao espanador,
aos dedos e mãos dos arrumadores de estantes,
ao vazio,
ao espaço entre espaços, elipses, elipses do tempo,
às leituras aleatórias,
aos incrédulos,
às leituras salvadoras,
às leituras suicidas,
às leituras pecadoras,
às passadas de páginas com dedos encardidos,
às possíveis páginas amarelas, abandonadas às traças.
Aos depósitos amontoados de cérebros,
desordenadamentes, para o esquecimento.

Ouço gritos distantes
distoantes.
Ninguém ouve.
Várias línguas, uma babel.
Penetrantes, assustadoras, nos interstícios da livraria,
nas frestas, entre livros.

Consegui deixar Walt Wiltman.
Direciono meu olhar a um espectro na prateleira.
Não consigo identificar o nome e nem o rosto e nem o título.
Obliquamente, meus olhos procuram o infinito em cada livro,
em cada página, em cada movimento inconsolável
de todos que ali estão.
Buscam a salvação ou a perdição?
Eu busco o quê?

Conturbado e ébrio de café,
encaro outro espectro.
Tem os olhos miúdos, inconfundível!
Óculos voltados ao espelho da alma do ser humano.
Barbas e bigodes marcam a vida e a morte.
Comportamentos humanos, nada mais!
Lá estava ele, dissimulado.
Olhar de ressaca, fixado em cada um,
em mim, como eu a ele.
Só que havia vários dele, enfileirados, clonados.
Fiquei confuso, qual seria ele?
Queria dizer-me algo?
Não sabia, entrei em transe.

Apareceram vários espectros em minha direção.
Vinham como saindo de seus túmulos.
Descontrolado, peguei um que vi à minha frente,
um sociólogo polonês, Zigmum Bulman.
Vivo!
Liquidamente, vivo!
Começo a folheá-lo, ininterruptamente.
Leio-o sedento.
Sua ideia do absurdo do homem,
da liquedez da vida,
do amor líquido,
do Homem - líquido,
me senti desconfortável,
a irreversibilidade do homo sapies sapiens.
Devolvi-o como numa catarse à prateleira.

Olhares absortos continuam a fustigar a livraria.
Muitos entram neste labirinto de palavras,
de letras,
de signos,
de símbolos,
de vozes,
de almas condenadas,
de almas nas encruzilhadas
de almas puras, raríssimas.
De corpos, corpos,
sem saber o que procuram.
Talvez, querem companhia!
talvez, querem a solidão!
Talvez, não!
Ou nunca iremos saber.

Eu rupturo fronteiras.
Aproximo daqueles que desejo.
Quero o sentir o hálito de diversos,
ler seus segredos e degredos.
Chegar ao desconhecido,
ultrapassar mares e continentes.
Um home do universo
que chora, sofre, ama, condena, sangra!
Vulcânico!
Totalmente paradoxal!
Humano!

Quero ler, somente!
Desfiguradamente, fantasmas entrelaçam a livraria.
Querem ser lidos.
Vieram até mim Jorge Luis Borges e Neruda.
Alef, porto.
Alef, porto.
Odes, odes, odes.
Saramago, Drummond e Virgínia Woof.
Lilith/Caim/Jesus/morte
amor/pedras/infância
suicídio/súicídio/gêneros

Arrebenta,alma minha!
sangra, sangra!
Não consigo controlar-me.
Tremo, suo.
Agora é Balzac, Dante, Freud, Marx, Homero
em um novelo sem fim, sem pontas
Carrol, Nietszche, Hegel, o florentino Maquiavel, etc, etc, etc
um emaranhado de confusões,de vozes, de rostos, de cérebros,
de palavras, de textos, escritas, letras, páginas...
Flutuo em um bailado desconexo de letras
absintas e opiárias baudelairianas
em um réquiem incessante.
Espectros, almas, me soltem.
Quero a liberdade sartreana!
Preciso exorcizar-me
Preciso encontrar-me
nos altares das letras
no olimpo dos imortais
no pó,
nos nós,
nas divisas,
nas linhas,
na carne,
na vida,
na morte
(...)
Volto a ler Walt Wiltman!
Meus devaneios...


8 comentários:

  1. Uh! que devaneios! Intenso... tudo muito intenso...

    Sigo-te agora

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  2. Gracias por visitar mi blog,
    Un saludo

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  3. vejo entao que a penumbra da livraria lhe bastou de sombra
    e vi tambem que o negro que te envolveu dessa vez foi o negro liquido, de um cheiro tão forte como o sabor.
    e seus devaneios se confudiram com a sinestesia que paeceu envolver-te.
    Café...Livros: Mauricio.

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  4. É um poema extenso, porém não cansa a mente pela sensação de paz que proporciona a dança de idéias e associações que fazes em cada estrofe... Livros, falas dos livros de uma forma que sugero teres por eles carinho especial, e por julgares saber um pouquinho sobre o caráter dos leitores na livraria, creio que há entre tu e os livros uma relação longa, de cumplicidade. Pelo menos foi o que deduzi... Ainda mais por seres professor.

    Poi é, hoje estou meio que pra repetir frases feitas (amo-as!)... Vai lá uma: "Onde se queimam os livros, acaba-se por queimar as pessoas" foi o que escreveu um escritor alemão anos antes do nazismo queimar livros de autores conciderados impuros (judeus, comunistas, gays etc...), para logo em seguida queimar os próprios autores, e não só eles. Outra: "... E ela viu então um homem a ler no banco daquela praça, um homem com um livro aberto entre as pernas... Pensou no mesmo instante - quem ama os livros, seria incapaz de fazer-me mal!" esta é do Milan Kundera.
    No meu subconsciente ( e no consciente também), eu sou como essa personagem de Milan Kundera, e que é amigo dos livros, só pode ser meu amigo da mesma forma... é o que fica na cabeça.


    Abração, amigo, e tudo de bom. Au revoir, ne t'oublie pas de la réponse!

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  5. Ola Mauricio, dizer o quê? Simplesmenete gostei, e se gostei, voltarei.Abraço.

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  6. Mauricio...

    El castillo... el señor K, Hojas de hierba.... somos todo y nada está fuera de nosotros!!! oh desvarios!!! ese espejo... a quién muestra???

    me gustó encontrarte y leerte!!!

    hermosos días!!!

    beso!!!

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  7. Salve! Agora que paso por aqui, e releio teu poema, tem algumas coisas que queria entender, mas acho que só o tempo é que dirá. Porém, hoje te faço uma pergunta, professor: o que é requiem? Pergunto pois gostaria de saber faz anos, mas nunca soube, apesar de ver sempre essa palavra em livros, revistas, blogues...

    Ok, já enchi demais o saco. Feliz 2010, Maurício, pra ti e pra toda tua família, com muita paz, amor, saúde, dim dim, e que todos teus planos se concretizem, pois o mereces.
    Tem presente pra ti lá no meu cantinho. Espero que gostes.

    Au revoir et je t'embrasse.

    PS.: tentei te encontrar hoje no MSN, mas acordei tarde e já devias ter partido. Fica pra próxima, então. Te admiro muito.

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