sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Eu-Morte


Dialeticamente a vida vai...
Dialeticamente a morte chega.
Quando morrer
não quero nenhum anjo anunciar
com suas trombetas o meu fim.

Chorarei minha morte
com- pul- si- va- men- te
exatos quinze minutos.
Despedirei de mim
com remorsos, dores, saudades, lembranças e
arrependimentos.

Como não queria ter arrependimentos.

Estou sendo velado.
Violado.
Meu corpo ereto, minha alma ereta.
Intactos como um mármare na embriaguês da madrugada fúnebre.
Fico à espreita.
Observo todos.
Amigos, parentes, incrédulos,
pais e curiosos.

Um silêncio aconteceu.
Lá fora, há árvores,
corpos em putrefação, almas inquietas, almas ensimesmadas e
almas serenas.

O céu já não é o mesmo.
O dia virá e com ele a infinita distância do amanhecer.
Vermes pantagruelicamente
devorando a não vida.
Volto à sala fúnebre.
Velas, flores...
O cheiro da morte.
Choros incontidos.
Olhares absortos,
Olhares oblíquos,
Olhares de alívio,
Olhares para o vazio
na escuridão
no claustro da alma,
direcionado ao meu insignificante corpo indefeso.

Chegou alguém
de- ses- pe- ra- do.
Como se tivesse sabendo
da minha morte naquele instante.
Urros, lágrimas
des- con- tro- la- dos.
Agarrou-me como se eu sentisse.
Como querendo dizer:
Levante, Lázaro!
Quanta pretensão deste patético humano.
Quem é?
Não consigo identificar.
Choro...
Incrivelmente, choro a minha morte.
Uma alma chora.

Minha mãe. Ao meu lado, carne da mesma carne.
Suas mãos trêmulas
suavemente em meu rosto,
como se me ninasse.
Grito e ninguém me ouve.
Mãe, mãe, mãe ...
quero dizer tantas coisas...
Estou perdendo as forças, não consigo mais gritar e ela não me ouvir.
Volto à infância... Cuidado, meu filho, você vai se machucar...
Ah, como dói, dói, dói, dói, estou chorando, choro muito para o total vazio.
Suas lágrimas caem
pelo meu corpo enlutado.

Um aglomerado de pessoas
velando meu corpo.
Sinto dores, não sei como, mas dói!
Por tudo e por todos.
Ouço um os cantares fúnebres.
Não queria ter morrido!

Onde está meu pai?
Ah, meu pai...
Não consigo chorar.

Rio e choro muito.
Aproveitei, vivi, desisti, arrependi, chorei, sorri, amei, desamei, conquistei
...................................................................................................................................
É a despedida.
Todos querendo-me tocar.
Toquem, sintam
que esta carne é real.
Sou irreal aos olhos do mundo.
Percebam meu fim.
Realidade e realizado.
Ad infinitu!
Ad aeternu!
Fechou o caixão.
Gritos e desesperos.
Um coro mórbido na sala.
A extrema unção.
Começou a marcha fúnebre.
Segue-se até o buraco vazio e lúgubre.
Len- ta- men- te, segue!
Os coveiros,
os corvos
à prontidão.
Direções, caminhos, veredas, curvas...
Conduzindo-me ao eterno.
Vejo vários túmulos, cruzes, ângulos, formas, rostos em molduras desfigurados.
O céu às dez horas!
Ergo a minha alma ao céu...
Nuvens mancheanas.
Nuvens dalianas.

Morte, sua face não é como todos dizem.
É sobria e suave.
Thanatus, salve-me!
Seus braços eternos.
Seu cavalo imponente.
Seu ar, seu hálito...
Seduzem-me!
Aos poucos, sua voz me embriagou.
Seu corpo, seu carisma.
Caí na sua sedução.
E aqui estou!

Desceu meu corpo.
Sin- to- ma- ti- ca- men- te
.................................................
Estou agora só!
A morte já me deixou.
Clamo por ela e nada.
Cobrem-me de terra,
terra, terra, terra, terra, terra.
Con- cre- ta- men- te fui.
Já não existo mais.
Sou agora...
O que sou?
E eles, os que ficaram?
Lembraças, somente!
Vagas lembranças.
Depois? O esquecimento.
Depois?
o espaço, a elipse da minha existência!
Um total vazio!
Somente.

Um comentário:

  1. Parabens por descrever um processo tao natural de uma forma tao peculiar. Saudades de voce. Beijos

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